Língua Portuguesa

Editorial (2)

Jan Nicolaas Kind – Brasil

É a minha Blavatsky melhor do que a tua?

Parece que dentro dos nossos círculos, elementos da linha dura estão ainda tentando provar que inventaram a roda. Alguns dividiram o panorama teosófico entre aqueles que sabem e aqueles que mentem. Existem aqueles que estão exclusivamente ligados à verdade, qualquer que seja essa verdade, e aqueles que andarão sempre desligados.

Numa das redes sociais da internet, os participantes estão constantemente a ser tratados de forma paternalista e expostos cruamente por um moderador que aparentemente se auto-designou como a consciência da Sociedade Teosófica de Adyar, enquanto noutro lado alguns autores e editores de websites têm a tendência de proclamar o que lhes apetece. Os seus artigos e editoriais estão cheios de verbos modelo como “dever”, “ser preciso” e “ter de”. Eles apresentam-se como os bons pastores guardando o seu rebanho.

É como se os fariseus tivessem falando connosco novamente. Nós recebemos instruções sobre o que é certo ou errado e tudo sob a bandeira de aprovação de H. P. Blavatsky. Mas quem dá essa aprovação? É a própria H. P. B, ou alguns que se consideram habilitados para falar em seu nome?
Tendo estudado esse maravilhoso fenómeno russo por muitos anos, inclino-me a pensar que ela aprovaria um maior desenvolvimento do que trouxe ao nosso mundo. Ela veio com a sua própria mensagem singular e deu-nos a oportunidade para pensar e perceber aquilo que ela nos legou. Eu não acredito por um momento que ela quisesse ser a “mensageira suprema”, e esse não foi com certeza o seu ponto de partida.

Alguns acreditam que representam a sua singularidade e esplendor, ao afirmarem que aqueles que podem ter pontos de vista ou interpretações ligeiramente diferentes não são mais que falsificadores ou até conspiradores, com um único objetivo: destruir tudo o que a Teosofia representa. Onde está a tolerância e a abertura que tão claramente defendeu a própria H. P. B.?

Numa recente publicação na internet, John Algeo foi uma vez mais atacado e caluniado como se fosse a pior escória deste planeta. O que escreveu a própria H. P. B. sobre tais ataques?

“É a denúncia um dever?"

[Lucifer, Vol.III, N.16, Dezembro de 1888, p. 265-73]

Não condenem ninguém na sua ausência, e quando for necessário reprovar alguém, façam-no na sua presença, mas de forma gentil e com palavras cheias de caridade e compaixão, pois o coração humano é como a planta Kusuli: o seu cálice abre-se com o doce orvalho matinal e fecha-se antes de uma grande chuvada.”

“De facto, o dever de defender um companheiro vítima de uma língua venenosa durante a sua ausência, e se abster, em geral, de “condenar outros” é a própria vida e alma da Teosofia prática, pois tal ação é a serviçal que nos conduz até o caminho da “vida superior”, aquela vida que nos conduz ao objetivo que todos almejamos atingir.”

Pois bem, aqui têm, não há lugar a dúvidas. Na edição de janeiro de 2013 do “Aquarian Theosophist”, o editor, usando a sua reconhecida prosa, perseguiu John Algeo de um modo que certamente não agradaria a H. P. B.

As críticas de que algumas cartas incluídas na compilação de John Algeo, “The Letters of H. P. Blavatsky” [As Cartas de H.P. Blavatsky], não deveriam ter sido publicadas nesse livro, ou deveriam ter uma introdução mais clara, são legítimas. Mas elas foram-no, e temos de conviver com os factos; nós podemos contudo, claramente aprender com esta situação. Existia um consenso na altura entre os editores desse livro, que esta publicação iria requerer alguma inteligência também da parte do leitor. Há cinco anos, numa entrevista com Katinka Hesselink, John Algeo, respondendo ao assunto, comentou-o da seguinte forma:

PERGUNTA:

2. Houve uma grande tormenta à volta da publicação de “The Letters of H. P. Blavatsky”, em que você e a sua mulher tanto trabalharam para criar. Esperava a tormenta e como pode explicar aos meus leitores no que consistiu essa tormenta?

RESPOSTA:

O primeiro volume das Cartas de H. P. B. precisava, por várias razões, de sair rapidamente. Consequentemente, tem várias falhas, a maior parte das quais nem foram alvo de comentário, mas temos plena consciência delas. Estamos trabalhando agora de modo mais lento e cuidadoso no volume II e esperamos que fique melhor. Por exemplo, teremos mais cuidado em comentar assuntos que poderão incomodar alguns leitores. Contudo, adotámos os seguintes princípios básicos nesta edição: vamos incluir todas as cartas que foram com razoabilidade atribuídas a H. P. B, mesmo aquelas que alguns teosofistas rejeitam porque não são consistentes com a sua perspetiva dela. De H. P. B, poderíamos dizer o que Walt Whitman disse dele próprio em “Song of Myself”. “Contradigo-me?/Pois bem, contradigo-me/ (Eu sou extenso, contenho multiplicidades).

H. P. B. era demasiado grande para se encaixar nas estreitas categorias, que nós, seus admiradores, imaginamos que ela ocupa. A inclusão de uma carta no volume não é uma declaração de que acreditamos que a mesma é genuinamente dela, mas antes, de que foi com razoabilidade atribuída a ela. A maior parte das cartas que sobreviveram não são cópias autografadas (ou seja, com a sua própria caligrafia), mas ao invés são transcrições feitas por outros e muitas vezes “melhoradas” ou então alteradas por quem as transcreveu. É impossível asseverar a autenticidade dos textos da maior parte das cópias de cartas que sobreviveram. O nosso objetivo foi e será o de incluir os textos mais antigos e autênticos que podemos encontrar de todas as cartas que temos, que com algum grau de fundamento, foram atribuídas a H. P. B. Os leitores são livres de decidir por eles próprios quais as genuínas e quanto de uma determinada carta foi realmente escrito por ela. Nós vamos porém, tentar fornecer aos leitores tanta ajuda quanto possível ao tomar essa decisão. Mas essas decisões irão muitas vezes depender de um pré-julgamento de cada leitor sobre o que é ou não característico de Blavatsky. Como diz o velho ditado, “de gustibus non disputandum est”, isto é, gostos não se discutem, e portanto a decisão cabe a cada um.

PERGUNTA:

3. Teria gerido as coisas de modo diferente se soubesse as reservas que as pessoas iriam ter com a publicação?

RESPOSTA:

Teríamos incluído mais admonições, mas não teríamos alterado os princípios em que a edição se baseia, que estou em crer ser a única base honesta para fazer uma edição do género.

Retirado de  http://www.allconsidering.com/2008/john-algeo-interview/

Não há necessidade de mais comentários. Que fique claro: poderia ter sido feito melhor, mas devido às circunstâncias, o livro em que John e a sua esposa Adele trabalharam tão duramente tornou-se perfeitamente numa “imperfeita” publicação. Para os comentadores e editores seria mais do que suficiente avisar os futuros leitores em serem cuidadosos na leitura deste livro. Não há necessidade de qualquer género de “sabichões” ou proclamadores virem a terreiro emitir ultimatos patéticos e atirar lama àquelas que pessoas que ganharam o apreço e o respeito de milhares por todo o mundo.

Trabalhadores resolutos para a causa teosófica são referidos como “amadores e eticamente ingénuos”, mas de quem é que eles estarão a falar?

John Algeo é um bom homem, um trabalhador incansável, sempre dedicado à causa. Ele tem a capacidade, única, de admitir um erro e de compensá-lo. Agora, na casa dos oitenta anos, depois de ter perdido a sua Adele e de ser confrontado com a deterioração do seu estado de saúde, continua a trabalhar pela Teosofia o melhor que pode. Nos seus oitenta e tal anos desta encarnação ele tem feito muito de bom e, SIM, cometeu erros, mas quem os não comete…?

O seu respeito e amor por H. P. Blavatsky e os seus escritos são indiscutíveis. Há cerca de treze anos, vi-o efetivamente a trabalhar nos arquivos de Adyar com Adele, reunindo material para o livro. A intenção e a dedicação são o que conta. Vê-los trabalhar tanto juntos, foi e ainda é, um exemplo inspirador para mim.

Nós podemos abordar H. P. B. do nosso ponto de vista, a partir da nossa própria tradição. Algumas vezes é evidente que existem grandes diferenças, mas não é isso ótimo? Não seria terrivelmente aborrecido concordar em tudo?

Então podemos nos perguntar: “É a minha Blavatsky melhor do que a tua?” Temos de chegar a este ponto? É a Blavatsky de John Algeo, Radha Burnier [NT: presidente da ST Adyar] ou de qualquer editor melhor que a Blavatsky de outra pessoa? Claro que não. Vamos finalmente nos mentalizar de que o nosso lar teosófico é grande o suficiente para todos nós, e que em vez de nos perseguirmos uns aos outros, deveríamos realmente e por fim, aprender a nos ouvir uns aos outros, para beneficiarmos o nosso planeta. Este é apenas um exemplo de como fazê-lo:

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Link to English version:

http://www.theosophyforward.com/index.php/the-society/744-editorial.html